O paciente B. tem 88 anos. Já H. tem 73 anos e sofre de demência. Ao lado deles, um terceiro paciente, citado como “Doutor. Mauro”, agoniza. Os três passaram por pneumonia, tiveram alta médica, mas permanecem no Hospital Municipal Alfredo Abrahão por uma única razão: a falta de equipamento de oxigênio domiciliar para que continuem sua recuperação em casa.
O “Seu B.” está há quase um mês nesta espera e, com isto, foi acometido de uma nova sepse. Ele fez novamente o ciclo de antibióticos e, ainda assim, segue internado porque não tem como sair da unidade hospitalar. Já H, que vive, segundo a esposa, em estado terminal, sofre com escaras pela longa permanência numa maca.
Todo o relato a seguir foi feito ao Anápolis Diário pela filha do “Seu B” e pela esposa de H. Elas acionaram o AD em uma nova tentativa desesperada de resolver a situação. Os pacientes não conseguem deixar a internação porque, mesmo tendo direito, a Prefeitura de Anápolis não fornece o equipamento e o balão de oxigênio que os permitiria ir para casa.
“Meu pai teve alta no dia 12 de março e está encostado no hospital. Não temos condições de pagar pelo serviço”, explica L., filha do Seu B. Segundo ela, o melhor preço que conseguiu foi de R$ 1,7 mil mensais para ter o equipamento necessário.
Tanto L. quanto H. procuraram o Anápolis Diário, mas pediram anonimato por temerem piorar ainda mais a situação dos parentes internados. L., por outro lado, já adiantou que “se não resolver agora” quer gravar um vídeo. “Tenho de ir pro tudo ou nada, não posso deixar meu pai assim”, justifica.
PAGAMENTOS
L. relatou em detalhes sua via crucis para tentar retirar o pai da internação. “Fui até a prefeitura, dei entrada no pedido, mas fui informada que não tem o serviço porque a empresa contratada pela gestão municipal não quer entregar os equipamentos”, explica. L. ouviu como explicação que o motivo é a falta de repasses da Prefeitura de Anápolis, que estariam em atraso.
A filha de B., porém, não se conformou. Ela foi ao Ministério Público e teve uma resposta desanimadora. “Me disseram que tem uma fila longa e não adianta fazer muita coisa”, afirma. Ela não chegou a ser recebida pelo promotor Marcelo de Freitas, da 9ª Promotoria de Justiça, responsável pela Curadoria de Saúde. “Fui bem atendida, todos foram atenciosos, mas não deram esperança”, completou.
“Do jeito que está, vou tirar meu pai daqui morto”, lamenta L. Ela faz um apelo para que a situação vivida por sua família e seu pai não tornem a acontecer. “Eu faço isso por ele, mas também espero que as outras pessoas não passem por isto que estou passando. Para que os outros tenham a chance que não estou tendo”, revela.
DESCULPAS

L. também procurou auxílio político. Através de uma pessoa da família, chegou até o vereador Jean Carlos (PL). Convocado a ajudar a contornar a situação, o líder do prefeito na Câmara preferiu dar uma resposta política.
Ele disse à família que a culpa pela situação era da “gestão anterior que não fez pagamentos à empresa”. “Está tendo problema com a empresa, passei isso para a secretária. Parece que são pendências do ano passado. Embora o do ano esteja regular, a do ano passado tem pendência”, explicou o vereador por mensagem de áudio. O Anápolis Diário teve acesso ao arquivo.
Jean se comprometeu no dia seguinte a “olhar a situação”, mas o problema não foi resolvido.
OUTRO POLÍTICO

A filha do paciente de 88 anos continuou sua incansável luta pelo pai e foi bater à porta do escritório político do deputado estadual Amilton Filho (MDB). Lá, foi atendida por uma assessora que, segundo soube, é a responsável por resolver este tipo de pedido.
L. recebeu a promessa de que haveria uma intervenção na Regulação Municipal pela instalação do oxigênio. Por mensagem, a assessora do parlamentar pergunta se o oxigênio foi instalado. “Se não foi, na volta eu passo na Regulação para poder ver a respeito”, disse ela, também por áudio. O aparelho nunca foi instalado.
No próximo dia 12, o paciente B. vai completar um mês encostado numa maca, com alta médica, mas sem poder ir para casa. Tanto L. quanto a esposa de H. elogiam o atendimento que recebem de todos no Hospital Alfredo Abrahão. “Muito atenciosos e carinhosos, fazem o que podem. Mas isto não depende deles”, garantem.
PREFEITURA

O Anápolis Diário buscou informações junto ao Ministério Público e a Prefeitura de Anápolis com o objetivo de obter alguma informação que resolva o problema.
A reportagem pediu um posicionamento sobre a situação para saber se as informações narradas acima procedem. “Se sim, qual a saída que a Secreetaria Municipal de Saúde tem buscado e se há previsão para a entrega destes equipamentos necessários?”. Ainda questionou qual seria o motivo da interrupção deste atendimento específico.
Como de costume, a Secretária Municipal de Saúde, Eliane Pereira, visualizou a mensagem, mas não respondeu. Da última vez que o AD buscou informações com a titular da Saúde, ela chegou a se comprometer no envio de esclarecimentos e jamais respondeu. Agora, nem isto.
A mesma mensagem foi enviada à Secretaria Municipal de Comunicação, através do titular da pasta. O AD obteve o mesmo tratamento dos pacientes abandonados: nenhuma resposta.
MP-GO

Através de Nota Oficial da Assessoria de Comunicação, a 9ª Promotoria de Justiça de Anápolis informou o seguinte:
“Há três casos desta natureza em tramitação na PJ (um no São Silvestre, um no Heana e outro no Alfredo Abrahão). Um chegou na semana passada e dois esta semana. No entanto, a promotoria esclarece que a prefeitura está dentro do prazo para fornecer os esclarecimentos necessários sobre o problema.
A promotoria informa ainda que fez contato com a Coordenadora da Assistência especializada da Secretaria Municipal de Saúde, e foi informada de que eles estariam tentando resolver a questão. O MP, paralelamente, trabalha a fim de produzir provas para, se for o caso, adotar as medidas judiciais para garantir o acesso à terapia.
O promotor Marcelo de Freitas, titular da 9ª PJ, esclarece ainda que não houve nenhum pedido de audiência com ele, mas se coloca à disposição da pessoa interessada para audiência virtual ainda hoje. Para isso, a pessoa deve ligar promotoria e falar com a Raíssa, que fará a marcação”.
DELEGACIA
No momento da conclusão desta reportagem, L. informou que realizou mais uma tentativa de evitar que seu pai fique no hospital: ela foi até a Delegacia de Proteção dos Idosos. Lá, não conseguiu falar com o titular, o delegado Manoel Vanderic, que estava em diligência externa pela Delegacia de Crimes de Trânsito.
L. relata que foi informada por uma agente que o caso narrado por ela não é para a delegacia. “Se fosse alguém maltratando um idoso, um pai fazendo maldade com um filho, rapidinho todos apareciam… mas como é um hospital da prefeitura, me disseram que não tem como interceder e fazer nada”, desabafou.